Seu Lunga: O homem mais mal-humorado do mundo
Tenha o prazer de conhecer Seu Lunga, porque certamente ele não terá nenhum prazer em conhecer você.
Ele é um intransigente defensor da “tolerância zero”, um vulcão de irritabilidade, a lenda viva da grosseria.
Seu Lunga foi ao restaurante e pediu uma sopa. O garçom perguntou: “Levo no prato, Seu Lunga?” De pronto ele devolveu: “Não, jogue no chão e venha empurrando com um rodo”. Na hora de pagar a conta, puxou o talão de cheques. O garçom teve dúvidas: “Vai pagar com cheque, Seu Lunga?” Ele olhou para o garçom por alguns segundos e disse: “Não, peguei o talão pra lhe escrever um poema”.
Por causa de histórias como essas, divulgadas em livretos de cordel, o comerciante Joaquim Santos Rodrigues, o Seu Lunga, venceu há dois meses um processo na Justiça do Ceará contra o cordelista Abraão Batista. Por decisão do Tribunal de Justiça do estado, Batista, autor do cordel O Homem Mais Zangado do Mundo, publicado em dois volumes, está proibido de citar Seu Lunga em suas narrativas. Caso contrarie a decisão, terá de pagar uma multa de 1 000 reais por dia. Inconformado, Batista pretende recorrer ao Superior Tribunal Federal, em Brasília. “Ele diz que eu sou mentiroso, mas eu conto aquilo que ouvi. O povo aumenta, recria, mas tudo tem um contexto”, defende-se o cordelista, lançando a questão: se todo mundo escreve sobre o mau humor de Seu Lunga, por que só ele foi processado?
Sentado em um banquinho de madeira na calçada diante de seu ferro-velho, em Juazeiro do Norte, cidade situada a 500 quilômetros de Fortaleza, Seu Lunga, 83 anos, mostra a lendária irritação ao responder à pergunta de Batista. “Todo mundo, não! Aquela moça que tá passando ali escreveu? Então não é todo mundo!”
Ele explica por que se exaspera com as histórias contadas por Batista. “Não é que eu seja grosso. Não gosto é de pergunta idiota.” E exemplifica: “Inda ontem chegou um rapaz aqui na loja, entrou, examinou e perguntou: ‘Isso tudo é pra vender?’ Isso é uma besteira. Como é que um cabra chega num ponto comercial e pergunta se as coisas tão pra vender?”
Seu Lunga dá sua versão do fato com um olho no interlocutor, outro na TV Semp de 10 polegadas em que assiste ao seriado teen I-Carly. A provocação é irresistível:
– E essa televisão aí? É pra vender?
– Isso aqui é um ponto comercial!
– E quanto custa?
– Já começou errado. Você quer saber o preço de custo? Isso só interessa ao comerciante!
E, se você acha que perguntar quanto custa um produto deixa o comerciante irritado (“O correto é perguntar o preço”, ensina), experimente pechinchar. “Isso é safadeza, sem-vergonheza. Preço só tem um”, diz, taxativo.
Reações como essa transformaram Seu Lunga em um personagem lendário no Ceará. O escritor francês Jules Renard dizia: “Há pessoas tão aborrecidas que nos fazem perder um dia inteiro em 5 minutos”. No caso de Seu Lunga, em 5 minutos se perde não apenas um dia, mas semanas, talvez meses. O pesquisador cearense de cultura popular Renato Casimiro contabiliza 78 títulos de cordéis contando a história do comerciante. “O pioneiro foi Abraão Batista, de Juazeiro, em 1983, mas hoje há títulos publicados sobre Seu Lunga em várias regiões do Nordeste”, conta.